21 de novembro de 2008


Estamos nos aproximando do Natal, data encantada até para o mais sético dos seres humanos...É época de paz, de luz, de colorido e de magia...Por mais que o consumismo tome conta do planeta, não tem jeito, não há quem diga que o coração não amolece nessa época,não há quem não se encante com o som da sineta do bom velhinho que nos reporta a uma infância distante e independente das dificuldades, marcante de uma forma ou de outra...Porque por pior que tenha sido ou seja uma infância sempre teremos um momento , unzinho que seja, de magia ou boa lembrança da época de natal... E em homenagem à esses bons tempos vou deixar aqui pra vocês uma cronica do livro de Cleo: Descontágio, que acho absolutamente especial e me vejo muito, naquele personagem e naquele cenário.

DEPOIS DO TEMPORAL Naquele dia eu estava feliz.Iria as compras de Natal com a mãe.Imaginava-me na loja de brinquedos como num grande castelo, vendo pacotes de todos os tamanho embrulhados com papel de renas e pinheiros.O verde e o vermelho prevalecendo.Colocaria um vestido novo depois,dando prazer quase na mesma medida, o sorvete. Íamos pouco ao centro, mas em quase todas as vezes o encerramento era na sorveteria. Aquelas bolas devoradas em mordidas largas que rasgariam a garganta.Só rasgariam. Menti quem diz que sorvete dá dor de garganta, febre,estas coisas. Dá febre ir ao dentista, tomar vacina ir à casa da tia megera. Sorvete, pés descalço em poça d'agua, manga curta,isto é que não.São coisas que as mães inventaram para facilitar as suas vidas. Falando em mãe,era ela quem me levava.Tia Zélia também ia junto. Não, esta não encarnava a tia-megera. Sabia ser querida sempre. Andamos pelo centro atrás de todos os presentes, a maioria roupas compradas em liquidações, naquelas gondolas que o pessoal revira até o fundo na esperança de encontrar algo realmente de qualidade com preço de oferta.. Algo que os outros, por um milagre, ainda não tivessem encontrado. Sem maior interesse por aquele burburinho todo, eu apenas as seguia. Aguardava a minha hora, a loja de brinquedos e o sorvete. Não me exaltava nem com as sacolas que me atropelavam o rosto, coisa comum naquela confusão. Mamãe e tia Zélia comparavam cores, preços, tudo.Mediam o meu comprimento, esticavam as mangas para comparar com os braços.Saíam de uma loja para retornar meia hora depois, praguejando contra a ausência da roupa que tinham olhado há pouco. E este movimento todo naquele calor de dezembro foi encharcando nossas roupas. A língua passada em volta da boca trazia um gosto de sal. Para mim era uma provocação. Dizia ao meu suor, "aguarda, tua hora vai chegar; lambuzarei toda a boca com morango e um doce quase insuportável. Vai ser o teu fim, suorzinho maldito." O calor ameaçava se transformar em tempestade de verão, com nuvens escuras tomando conta do céu e fazendo a iluminação pública se acender em plena tarde. " Vamos mãe!", e ela, "Não enche!". Mamãe era assim, respostas secas e poucos sorrisos.Observando as mães de minha amigas, às vezes eu pensava que a minha podia ser diferente. dando beijo na saída do colégio, fazendo os temas comigo, , sendo mais carinhosa. sorrindo. Com um sorriso as coisas já seriam bem melhores. Mesmo para explicar que não tinha tempo pra me ajudar com os temas ou que não me levaria até o portão, dissesse sorrindo e eu entenderia. Quando não estava trabalhando, papai era uma compensação, ria muito e eram abraços a toda hora. Na loja, eu tentava me distrair associando as core das roupas com os sorvetes. A blusa roxa, uva, a bermuda vermelha, pitanga. "Vamos mãe!""Calma, guria." A saia bege, creme. A calça verde, limão, abacate, menta. Mais meia hora e, "Vamos agora? Tá vindo chuva." "Ai que saco, vamos!" , ela disse me dando as costas. Fomos para a fila do caixa, as roupas empilhadas sobre os braços, o suor causando coceira no pescoço. Saímos e a calçada estava tomada. Pacotes de todos os tamanhos carregados por pessoas desnorteadas pela falta de tempo, pela chuva que logo chegaria, ou talvez por causa da agitação que uns causam nos outros quando chega dezembro, nestes grandes bailes de calçadas. Era preciso seguir o ritmo para não ser pisoteada, e foi o que fizemos; as duas na frente, eu arrastada logo atrás. Em pouco tempo chegamos a sorveteria, coisa que eu até duvidava, tão assustadoras e negras eram as nuvens.A mãe disse que a loja de brinquedos ficaria para outro dia. "Uva e chocolate. Não, morango. Não, uva e morango." Vamos, Guria!", e, antes da primeira lambida fui arrastada por um safanão da mãe. Era incrível, mas o sorvete derretia muito mais rápido do que eu conseguia comer. É certo que a pressa tornava tudo mais difícil, mas eu não me entregaria. Atacava de um lado e de outro, e foi então que , slep,slep,e pleft! A bola deslizou pelo vestido se estatelando na calçada, onde caiam os primeiros pingos de uma chuva grossa. Eu preparava o rosto para chorar, mas não houve tempo. Mamãe se virou e deu um tapa na casquinha, atirando-a junto ao meio fio. " Mas tu é bem boca-aberta mesmo!", ela disse me puxando agora com muito mais força. Logo estávamos dentro do ônibus onde tia Zélia, com um lenço, não dava conta de me limpar o vestido e as lágrimas. A mãe passando a mão no vidro para tirar a umidade. Eu pensando na bola se esvaindo pela calçada e nos brinquedos. A viagem de volta foi feita num silêncio natural. No fim da tarde eu já tinha quase me esquecido daquilo tudo; jogava volei com as amigas. A chuva mal dera pra formar algumas poças e acabou trazendo um mormaço ainda maior. A mãe estava passando por nós, eu perguntei aonde ela ia. " No armazém", ela falou. " Compra um pirulito?", eu pedi, abraçada à bola. Ela parou, virou-se só com o pescoço e disse num inacreditável descortinar de dentes: " Só se tu vier comigo". Aí não tinha jeito. Uma vez me disseram que cavalo encilhado só passa uma vez. Soltei a bola e saí galopando naquele sorriso.

Um comentário:

Cleo de Oliveira disse...

Se tu gostou do texto eu fico mais feliz ainda.
Gracias!
Beijão.